Octicília Sabino
Presidente da Casa Espírita Recanto de Maria – Rema.
Em junho deste ano, o GDF anunciou que os terrenos dos templos religiosos de Brasília seriam regularizados. Que júbilo, quanta festa! Finalmente, a Casa Espírita Recanto de Maria – Rema – poderia comprar definitivamente a área que ocupa no Lago Sul, há cerca de 20 anos, em concessão de direito real de uso.
Durante muitas décadas, os frequentadores do Recanto de Maria têm trabalhado para conseguir construir o prédio próprio do Rema, mantê-lo funcionando e, um dia, comprar o terreno onde está instalada nossa casa. Mas nossa alegria não durou muito. Deu lugar ao espanto, à estupefação, quando percebemos, logo em seguida, que nossa Casa não estava sendo regularizada. Estava, sim, sendo colocada em leilão. Desse jeito mesmo: oferecida a quem der mais e puder pagar. É claro, com prioridade para o legítimo ocupante.
No lançamento do edital de licitação dos terrenos, pelo governador Agnelo Queiroz, onde estavam presentes muitas instituições religiosas que se acham na mesma situação do Rema, pairou o sentimento de que nenhuma entidade religiosa tentaria disputar o terreno de outra. Afinal, cada um, seguindo a sua fé, não estaria interessado em especular com a casa de Deus construída pelo próximo. Foi nisso que acreditamos naquele momento, além de acharmos que nenhuma entidade religiosa, que precisaria cuidar da compra de seu próprio terreno, teria condição e interesse de entrar em uma disputa de mercado.
Ledo engano. Tão logo o GDF anunciou na televisão que estava regularizando os templos religiosos, começaram os telefonemas de grupos ditos imobiliários para o Rema, informando que tinham clientes interessados em entrar na disputa pelo terreno da Casa. O mais incisivo dizia-se representante de uma instituição religiosa de fora de Brasília.
A preferência, diz a lei, sempre será do ocupante legítimo. Mas, ironia, para ficarmos com o terreno de nossa casa, temos de entrar em uma disputa de mercado e comprá-lo por quanto o poder econômico anunciar que se dispõe a pagar por ele.
E quanto valerá, para o mercado, o terreno onde está construída uma casa de Deus? Não sabemos. Como medir o quanto vale a história de uma casa religiosa? Quanto valem os dias e noites de trabalho? Quanto vale a assistência social e espiritual prestada pelo Rema? Não vemos como tudo isso pode ser medido pelo valor pecuniário de uma extensão territorial ou de um prédio de concreto.
Não conseguimos imaginar como seria transformar em dinheiro, em um processo de peritagem judicial, por exemplo, a história de vida do Rema. Mas sabemos quanto ela vale para todos nós, que durante anos vimos trabalhando, todos os dias, noites a fio, para manter de pé a casa que começou, um dia, com um grupo pequeno de senhoras e jovens e que hoje doa, mensalmente, toneladas de gêneros alimentícios a instituições e pessoas carentes; distribui cobertores e agasalhos todos os invernos, entre carentes de rua, hospitais, presídios, creches, asilos, centro de tratamento de aidéticos e outros; distribui material escolar todo começo de ano, assim como enxovais para recém-nascidos, entregues, todos os meses, a mães carentes.
Tudo isso sem contar a assistência espiritual que recebem todos aqueles que ultrapassam as portas do Rema, para assistir às nossas palestras, participar dos nossos grupos de estudo, ouvir orientações.
Após décadas de efetivo trabalho de assistência espiritual e social, uma fria disputa econômica agora pode colocar em risco todo o trabalho desenvolvido pelo Rema, deixando desamparadas as inúmeras pessoas que diariamente são beneficiadas pelas atividades filantrópicas e religiosas oferecidas pela Casa.
Na Casa Espírita Recanto de Maria ninguém paga nada. Não é cobrado dízimo, mensalidade, não se fazem sorteios nem se recebem recursos governamentais. O Rema apenas convida quem quer trabalhar a juntar-se àqueles que todos os fins de semana, todas as noites e feriados fazem artesanato para vender na feira de arte de Natal realizada há décadas em Brasília, em dezembro, e que já é tradicional na cidade, conhecida como “Bazar do Rema”.
É daí que vem o sustento da nossa Casa, do trabalho feito com amor e dedicação, nosso único instrumento de defesa contra o poderio econômico. Não temos outra forma. Não somos uma instituição comercial. Tampouco somos remunerados pelo que fazemos. Somos tão-somente os trabalhadores e defensores de uma casa de Deus. E assim vamos continuar, até o limite de nossas forças.
Não queremos dinheiro, benesses nem facilidades fora da lei. Queremos, sim, que a cidade que nos conhece saiba pelo que estamos passando, na expectativa do que poderá acontecer no próximo dia 11 de agosto (quinta-feira), data marcada para abertura das propostas. Quem puder, junte-se a nós, porque estamos tendo de enfrentar uma luta desigual, estabelecida por regras de mercado, provando que o que foi idealizado como a forma mais justa de tratar uma instituição religiosa pode não ser tão perfeito assim quando o concorrente é o poder econômico.
Veja a matéria sobre o assunto no DFTV do dia 03/08/2011
Jornal da Comunidade do dia 06/08/2011